PAUL JOHANNES TILLICH (1866-1965)



Paul Johannes Oskar Tillich nasceu em 20 de agosto de 1886, em Starzeddel, Alemanha. Foi um teólogo alemão-estado-unidense. Tillich foi comtemporâneo de Karl Barth, e um dos mais influentes teólogos protestantes do século XX.

Estudou sucessivamente a filosofia e a teologia em Berlin, Tübingen e Halle, sendo contemporâneo de Karl Barth e Rudolf Bultmann. Suas teses foram dedicadas à filosofia religiosa de Schelling.

Ordenado em 1912, foi pastor da Igreja luterana evangélica de Brandeburgo; participou da Primeira Guerra Mundial como capelão de guerra. Até 1933, lecionou em Berlin, Marburg, Dresden, Leipzig e Frankfurt. Em 1929 sucedeu Max Scheler na cátedra de filosofia e psicologia de Frankfurt. 

Desempenhou um papel importante na fundação da Escola de Frankfurt, tendo orientado a tese de doutorado de Theodor Adorno. Foi fundador, com um grupo de amigos, do movimento intelectual do "socialismo religioso".

Tendo perdido sua cátedra por causa de suas posições anti-nazistas, Tillich emigrou para os Estados Unidos em 1933, a convite dos amigos Reinhold e Richard Niebuhr. De 1933 a 1955, foi professor de Teologia Filosófica no Union Theological Seminary e na Columbia University (New York).

Nacionalizou-se americano e lecionou nas universidades de Harvard e de Chicago. Nesta última cidade, coordenou importantes seminários de estudos da religião com Mircea Eliade. Depois da Segunda Guerra, fez freqüentes viagens a Europa para cursos e conferências. Recebeu o prêmio da paz dos editores alemães em 1962.
Harvard e Chicago ocuparam os últimos anos de sua docência como teólogo protestante.

Paul Tillich foi casado com Hanna Tillich e tiveram dois filhos.

Paul Tillich faleceu em Chicago, em 22 de outubro de 1965.

As pesquisas de Paul Tillich contribuíram também para o existencialismo cristão. Tillich é tido, ao lado de Karl Barth, como um dos mais influentes teólogos protestantes do século XX.

Tillich deixou uma densa obra e numerosos discípulos, que seguiram e aplicaram sua doutrina. Seu pensamento aparece como uma ponte entre o sagrado e o profano. Não confunde as duas esferas, mas tende a explicitar o sentido religioso, implícito nas profundezas do ser, de todo ser. A tentativa apóia-se nestes conceitos-base: o limite, a ruptura, a correlação e o abismo. É um pensamento no limite, porque é onde se definem as coisas. O ser no limite significa não um ser estático, mas uma posição de ruptura entre o ser e o não-ser. A ruptura segue a correlação, categoria básica de Tillich, resposta aos problemas do homem e da história. E finalmente o abismo, que permite a Tillich superar a oposição da moderna teologia protestante entre o Deus da razão e o Deus da fé. No abismo de todo ser reúnem-se e harmonizam-se unitariamente o ser em si e o Uno-Trino da Bíblia. Paul Tillich defendeu o exame da religião pela razão, assim como valorizou o auxílio do conhecimento secular para a compreensão do cristianismo, embora afirmasse que o critério supremo da revelação residia em Jesus.

Sobre essa base filosófica de fundo hegeliano, Tillich constrói sua teologia, que pode ser resumida nestes pontos:

— Insistência em que a Bíblia não é a única fonte da teologia. Esta deve ser predominantemente apologética e querigmática, isto é, deve interessar-se pelas diferentes formas de cultura e ser uma tarefa essencialmente racional para chegar à compreensão do especificamente cristão. Em sua Teologia sistemática (3 vols., 1951-1957), Deus é apresentado como “aquele que nos concerne, em última instância” ou “a essência de nosso ser”. Deus não é um ser, mas o próprio ser. A linguagem da teologia e da religião é essencialmente simbólica. A única exceção é Deus que, como vimos, define como o mesmo ser. “O homem desta infinita e incansável profundidade de todo ser é Deus.” “Talvez se esqueça tudo o que se aprendeu sobre Deus, inclusive a própria palavra, para desta maneira saber que conhecendo que Deus é o profundo, conhecemos muito sobre ele. Neste sentido, ninguém pode chamar-se ateu ou nãocrente. Somente é ateu quem seriamente afirma que a vida é superficial.”

— Com relação ao fato cristão, afirma que Cristo, “enquanto símbolo da participação de Deus nas situações humanas”, é a resposta necessária para a situação existencial do homem pecador. Com ele mudou-se a existência, pois revelou-nos um Deus libertador. Para Tillich, o Novo Testamento somente se refere à história de Jesus para elevá-lo a valor simbólico universal, cujos momentos decisivos são a cruz, símbolo do encadeamento do homem ao finito e negativo da existência, e a ressurreição, símbolo da vitória.

— Fiel a seu método da “correlação”, Tillich insinua e demonstra, em termos arduamente exeqüíveis, que não existe contradição entre o natural e o sobrenatural e que, portanto, o Deus da razão e o Deus da fé e a revelação são dois aspectos de uma mesma realidade. Corrige assim o sobrenaturalismo de Barth, demasiado preocupado em identificar a mensagem imutável do Evangelho com a Bíblia ou com a ortodoxia tradicional. Sua teologia apologética destina-se a responder aos problemas da situação de hoje. “Deve-se lançar a mensagem como se lança uma pedra sobre a situação de hoje.” Pelo princípio da correlação os elementos relacionados só podem existir juntos. É impossível que um aniquile a existência do outro. Com o princípio da correlação a reflexão teológica desenvolve-se entre dois pólos: a verdade da mensagem cristã e a interpretação dessa verdade, que deve levar em conta a situação em que se encontra o destinatário da mensagem. E a situação não diz apenas respeito ao estado psicológico ou sociológico do destinatário, mas "as formas científicas e artísticas, econômicas, políticas e éticas, nas quais [os indivíduos e grupos] exprimem as suas interpretações da existência". A situação é o que se deve levar a sério.

— Com fundamento nas idéias de Schelling e no existencialismo de Kierkegaard, Tillich elaborou uma teologia que engloba todos os aspectos da realidade humana em função da situação histórica do homem. Seu método teológico baseou-se no chamado princípio da correlação, descrito em Systematic Theology (1951-1963; Teologia sistemática). Esse princípio transforma a teologia num diálogo que relaciona as perguntas feitas pela razão às respostas obtidas mediante a fé, como experiência reveladora.

— Para Tillich, a teonomia - lei interior dada por Deus, em harmonia com a natureza essencial do homem - dá força e liberdade ao homem para reconstruir a sociedade de forma criativa. A teonomia contrapõe-se à heteronomia, lei imposta ao homem de fora para dentro, e à autonomia, que o deixa frustrado e sem motivação para a vida.

— A vida é definida por Paul Tillich como sendo a atualização do ser potencial. Em todo processo vital ocorre essa atualização. Os termos "ato", "ação", "atual" denotam um movimento com centralidade dirigida para diante, um sair do centro de ação. Mas esse sair-de-si ocorre de tal forma que, para Tillich, "o centro não se perde nesse movimento centrífugo. Permanece a auto-identidade na auto-alteração." O outro, no processo de alteração se dirige tanto para fora do centro como para dentro dele novamente. Dessa forma distingue três elementos no processo da vida: auto-identidade, auto-alteração, e volta para si mesmo. "Potencialidade se torna atualidade somente através desses três elementos no processo que chamamos vida". 

A influência de Tillich cresceu ainda mais depois de sua morte. Seu pensamento com relação ao conceito de Deus foi seguido e popularizado por John Robinson, autor de Honest to God (1963). Mais recentemente, Don Guppitt iniciou um duro ataque à doutrina tradicional cristã sobre Deus em sua obra Tomando o lugar de Deus (1980), na qual advoga por um conceito cristão-budista de Deus similar ao de Tillich.

Entre suas obras, cabe destacar Se comovem os fudamentos da Terra (1948), Teologia sistemática (1951, 1957 e 1963), Coragem de ser (1952) e O eterno agora (1963). Grande renovador da teologia, seu tema principal é a reconciliação entre ciência e fé e entre cultura e religião.

PENSAMENTOS DE PAUL TILLICH

"A cura pela fé no sentido não pervertido da palavra é a recepção da salvação/saúde no ato da fé, isto é: na entrega a algo que nos diz respeito incondicionalmente, ao sagrado que não pode ser forçado a se colocar a nosso serviço. De tal entrega deriva a cura no centro da personalidade, integração das forças contraditórias que se subtraem ao centro e querem então se apossar dele".

"A integração do si mesmo pessoal só é possível mediante a sua elevação até aquilo que chamamos simbolicamente de si mesmo (ou personalidade) divino. E isso só é possível graças à irrupção do Espírito divino no espírito humano, isto é, pela presença do Espírito divino".

"Chegamos assim à conclusão que cura e salvação se pertencem mutuamente de modo indissociável, que os múltiplos aspectos do curar/salvar devem ser claramente diferenciados, que eles são produzidos por uma força suprema de cura e que seus portadores devem lutar juntos a favor da humanidade. Nenhuma separação, nenhuma confusão mas um objetivo comum de todo "curar": o ser humano salvo, em totalidade". 

"Uma religião que não possui um poder de curar e salvar é desprovida de sentido". 

"A razão não resiste à revelação. Ela pergunta pela revelação. Pois revelação significa a reintegração da razão".

"É a finitude do ser que conduz à questão de Deus".

"... o termo 'Novo Ser', quando aplicado a Jesus como o Cristo, indica o poder que nele vence a alienação existencial ou, expresso em forma negativa, o poder de resistir às forças da alienação. Experimentar o Novo Ser em Jesus como o Cristo significa experimentar o poder que nele venceu a alienação existencial em si mesmo e em todos aqueles que têm parte com ele".

"A teologia sistemática necessita de uma teologia bíblica que seja histórico-crítica sem quaisquer restrições, mas que seja, ao mesmo tempo, interpretativo-existencial, levando em conta o fato de que ela trata de assuntos de preocupação última"

"Nossa preocupação última é aquilo que determina o nosso ser ou não-ser. Só são teológicas aquelas afirmações que tratam de seu objeto na medida em que possa se tornar para nós uma questão de ser ou não-ser"

"O homem está dividido dentro de si. A vida volta-se contra si própria através da agressão, do ódio e do desespero. Estamos habituados a condenar o amor-próprio; mas aquilo que pretendemos realmente condenar é o oposto do amor-próprio. É aquela mistura de egoísmo e aversão por nós próprios que permanentemente nos persegue, que nos impede de amar os outros e que nos proíbe de nos perdermos no amor com que somos eternamente amados. Aquele que é capaz de se amar a si próprio é capaz de amar os outros; aquele que aprendeu a superar o desprezo por si próprio superou o seu desprezo pelos outros".

"Na nossa tendência para maltratar e destruir os outros existe uma tendência, visível ou oculta, para nos maltratarmos e nos destruirmos. A crueldade para com os outros é sempre também crueldade para com nós próprios. Deste modo, o estado de toda a nossa vida é o distanciamento dos outros e de nós próprios, porque estamos distanciados da Razão do nosso ser, porque estamos distanciados da origem e do objectivo da nossa vida".

"A teologia levanta necessariamente a questão da realidade como um todo, a questão da estrutura do ser. A teologia suscita necessariamente a mesma pergunta, pois aquilo que nos preocupa de forma última deve pertencer à realidade como um todo; deve pertencer ao ser".

"O objetivo da teologia é aquilo que nos preocupa de forma última. Só são teo-lógicas aquelas afirmações que tratam do seu objeto na medida em que ele pode se tornar questão de preocupação última para nós"

"“Um sistema teológico deve satisfazer duas necessidades básicas: a afirmação da verdade da mensagem cristã e a interpretação desta verdade para cada nova geração”.

"Se a “Palavra de Deus” ou o “ato de revelação” é considerado a fonte da teologia sistemática, devemos enfatizar que a “Palavra de Deus” não está limitada às palavras de um livro e que o ato de revelação não se identifica com a “inspiração” de um “livro de revelações”, mesmo que esse livro seja o documento da “Palavra de Deus” final, plenitude a critério de todas as revelações".

"O sentido ontológico da experiência é uma conseqüência do positivismo filosófico. O que é dado positivamente é, segundo esta teoria, a única realidade da qual se pode falar de modo significativo. E positivamente dado significa dado na experiência. A realidade é idêntica à experiência"

“A Bíblia como um todo nunca foi a norma da teologia sistemática. A norma tem sido um princípio derivado da Bíblia num encontro entre ela e a igreja”.

“Já que a norma da teologia sistemática é o resultado de um encontro da igreja com a mensagem bíblica, podemos considerá-la produto da experiência coletiva da igreja”

"A Bíblia é a Palavra de Deus em dois sentidos: É o documento de revelação final e participante na revelação final da qual é documento. Provavelmente nada contribuiu mais para a interpretação errônea da doutrina bíblica da Palavra do que a identificação da Palavra com a Bíblia"

“O Cristo não é o Cristo sem a Igreja, e a Igreja não é Igreja sem o Cristo. A revelação final, como toda revelação, é correlativa”.


Fonte: Blog Teologia Contemporânea

WOLFHART PANNENBERG



Wolfhart Pannenberg é um dos maiores teólogos protestantes contemporâneos. Nasceu no ano 1928 na cidade de Stettin, Alemanha. Pannenberg foi batizado na Igreja Evangélica Luterana, mas não teve praticamente nenhum contato com a Igreja nos seus primeiros anos. Com cerca de dezasseis, no entanto, ele teve uma intensa experiência religiosa a qual ele chamou mais tarde de sua "experiência de iluminação". Buscando a compreender esta experiência, ele começou a pesquisar através das obras de grandes filósofos e pensadores religiosos. O seu professor de literatura da Escola Secundária, que tinha sido uma parte da Igreja Confessante durante a Segunda Guerra Mundial, encorajou-o a considerar seriamente o cristianismo, o que resultou na "conversão intelectual" de Pannenberg, na qual se concluiu que o Cristianismo era a melhor opção religiosa disponível. E isto o implusionou em sua carreira como teólogo. Pannenberg estudou Teología e Filosofía na universidade de Göttingen, sob a direção de Nicolai Hartmann. Logo estudou na universidade de Basel, sob K. Jaspers e Karl Barth. Estudou na Universidade de Berlim e doutorou-se em Teologia na Universidade de Heidelberg (1954), onde lecionou até 1958. Em seguida, ensinou em Wuppertal (1958-61), Mainz (1961-68) e Munique (1968-1993).

Quem mais influenciou no pensamento de Pannenberg foram Günter Bornkamm com seu "Nova busca pelo Jesus histórico". Seu outro mentor foi Hans Von Campenhausen por meio de seu discurso reitoral de 1947 intitulado: "Agostinho e a queda de Roma".

Wolfhart Pannenberg, que é professor de teologia sistemática na Universidade de Munique, apresenta sua teologia de dentro da categoria da história. A parte central da carreira teólogica de Pannenberg foi sua defesa da teologia como uma rigorosa disciplina acadêmica, uma capacidade de interação com a filosofia crítica, a história e as ciências naturais.

Pannenberg é talvez mais conhecido pelo seu livro: Jesus - Deus e Homem, no qual ele constrói uma Cristologia "por baixo", ou seja, a sua dogmática decorre de uma análise crítica da vida de Jesus de Nazaré. Ele correspondentemente rejeita as tradicionais calcedonicas "duas naturezas", preferindo ver a pessoa de Cristo à luz da ressurreição. Este foco sobre a ressurreição de Cristo como a chave da identidade levou Pannenberg a defender a sua historicidade. Outras obras: A redenção como acontecimento e história, 1959; Revelação como história, 1962; Que é o homem? A antropologia atual à luz da teologia, 1964; Teologia Sistemática (3 v.). Quando foi publicado seu livro Jesus - Deus e Homem, em 1968, veio a ser uma influência no mundo de fala inglesa.
A doutrina teológica de Pannenberg considera que a realidade histórica tem prioridade sobre a fé e o raciocínio humanos. Wolfhart Pannenberg, pode ser chamado o teólogo da história. Porque para ele a história é o princípio de averiguar o futuro com a revelação da Palavra.

Para Pannenberg, a Ressurreição de Jesus tem uma importância capital na nova concepção de revelação. Ele afirma que ela é o acontecimento central do Novo Testamento, porque faz acontecer antecipadamente o final da história, e isto permite conhecê-la em sua totalidade.
Para Pannenberg, toda história é a revelação de Deus. A história está tão clara em suas funções revelatórias que sua interpretação pode ser feita sem a ajuda da revelação sobrenatural. A verdade revelatória está necessariamente inerente na totalidade da história e bem clara para todos quantos observam. Deixar de captar a revelação dentro da história é falha do indivíduo e da sua investigação, e não da própria história.

Pannenberg propõe que Deus se revela indiretamente mediante a proeza que ele realiza na história. Ele compreende a revelação como a auto-revelação de Deus de forma indireta na história. Portanto, se a revelação de Deus acontece por intermédio de fatos históricos, estes são acessíveis ao juízo consciente de cada homem e, por conseguinte, ela não é um conhecimento esotérico revelado a poucos. Apesar desta abertura, Pannenberg também afirma que a revelação é um ato divino e do qual o homem necessita, pois este conhecimento não está em seu poder e ele não pode obtê-lo sozinho.

O pensamento de Wolfhart Pannenberg pode ser considerado aquele que no contexto luterano aceitou de forma evidente o desafio do Iluminismo. Desde os primórdios de sua reflexão, Pannenberg pretendeu superar a marginalização da fé e da teologia em relação à razão moderna.
Wolfhart Pannenberg ao lado de Jürgen Moltman detém a paternidade da chamada Teologia da Esperança. Simplesmente, teologia liberal. Pannenberg é bem situado entre os grandes teólogos protestantes contemporâneos. De um lado ele é claramente um teólogo de confissão Luterana, de outro lado do ponto de vista metodológico, ele é um neoliberal. Seu esforço de conciliar a tradição Luterana com a metodologia contemporânea é o que faz sua teologia interessante e significativa. Wolfhart Pannenberg também teve muita influência na teologia católica.

PENSAMENTOS DE WOLFHART PANNENBERG

"O clima público do secularismo mina a confiança dos cristãos na verdade em que crêem (...) Em um ambiente secular, até o conhecimento elementar da cristandade (...) definha. Não é mais uma questão de rejeitar os ensinamentos cristãos; um grande número de pessoas não tem a mínima idéia de quais são esses ensinamentos (...). Quanto mais disseminada a ignorância do cristianismo, maior o preconceito contra o mesmo (...) A dificuldade é agravada pelo relativismo cultural da própria noção da verdade (...) à vista de muitos, (...) as doutrinas cristãs são meramente opiniões que podem ou não ser afirmadas de acordo com a preferência individual, ou dependendo de se elas são voltadas para necessidades pessoais (...) A ordem social cuidadosamente secularizada promove um sentimento de falta de sentido"

"A teologia cristã tem somente a tarefa de mostrar que e como se pode desenvolver uma interpretação coerente de Deus, do ser humano e do mundo a partir do evento da revelação que o cristianismo compreende como tal, interpretação esta que é capaz de ser defendida, com razões, como verdadeira em relação ao conhecimento de experiência da filosofia, e que por isso também pode ser defendida como verdadeira em relação a interpretações alternativas do mundo, tanto religiosas como não-religiosas. A abordagem comparativa e a formação de juízo acerca das reivindicações divergentes da verdade já devem pressupor tais exposições das concepções a serem comparadas"

"Ora, a quem faz um trabalho, o salário não é considerado como gratificação, mas como um débito; a quem, ao invés, não trabalha, mas crê naquele que justifica o ímpio, é sua fé que é levada em conta de justiça, como, aliás, também Davi proclama a bem-aventurança do homem a quem Deus credita a justiça, independentemente das obras".

"O Reino de Deus não será estabelecido pelo homem. Muito enfaticamente, ele é o Reino de Deus (...) O homem não é exaltado, mas degradado quando se torna vítima de ilusões acerca de seu poder"

"Qualquer tentativa inteligente de falar sobre Deus um discurso criticamente consciente de suas condições e limitações deve começar e terminar com a confissão da majestade inconcebível de Deus, que transcende todos nossos conceitos."

"O ser humano não possui uma alma como realidade independente, em oposição ao próprio corpo; tampouco possui um corpo que se movimenta de maneira totalmente mecânica ou inconsciente. Ambas as idéias são abstrações. O que realmente existe é a unidade do ser vivo, da pessoa humana que se movimenta e reage ao mundo"

"Jesus adquire significado ‘para nós’ somente enquanto esta significação está apoiada nele mesmo, na sua história e na pessoa que a história manifestou. Somente enquanto esta poderá ser demonstrada, podemos ter certeza que a nossa fé não será uma mera projeção de problemas, desejos e pensamentos pessoais sobre a pessoa de Jesus"

"Uma mensagem não convincente, como alternativa, não é capaz de alcançar o poder de convencer simplesmente apelando ao Espírito Santo... A argumentação e a operação do Espírito não são mutuamente exclusivas. Ao confiar no Espírito, Paulo de forma alguma dispensou-se de pensar e argumentar".

"Os eventos que revelam Deus e a mensagem que narra esse acontecimento levam o homem a um conhecimento que ele por si mesmo não possui. Mas esses acontecimentos têm realmente uma força convincente. Lá onde eles são percebido, assim como são, no contexto históricos ao qual por natureza pertencem, eles falam sua própria língua, a língua dos fatos reais. E foi nessa língua dos fatos que Deus mostrou sua divindade".


Fonte: Blog Teologia Contemporânea

RUDOLF BULTMANN (1884-1976)‏



Teólogo e escritor protestante alemão. Estudou teologia nas Universidades de Tubinga, Berlim e Marburgo. Professor nesta última universidade desde 1921 até a sua aposentadoria em 1951. Muito discutido, tanto nos círculos protestantes quanto nos católicos, por sua interpretação dos Evangelhos, da pessoa histórica de Jesus e de sua mensagem, aplicou as normas da crítica histórica do século XX, assim como o método das formas ao texto bíblico. Esteve em contato com as correntes filosóficas modernas, valendo-se, principalmente, da análise existencial de M. Heidegger. De imensa erudição e capacidade, é uma figura importante e discutida do pensamento cristão atual.

Seu pensamento está contido principalmente em A história da tradição sinótica (1922), na qual analisa os evangelhos à luz das diferentes formas. E no Novo Testamento e mitologia (1941), obra várias vezes revisada e publicada em dois volumes sob o título de Querigma e mito (1961-1962). Em 1927 surgiram uma série de ensaios e escritos menores de Bultmann com o título de Existência e fé nos quais projeta sua visão cristã através do existencialismo.

Uma análise da doutrina de Bultmann leva-nos às seguintes conclusões:

1) Ceticismo quase absoluto sobre o valor histórico do Novo Testamento (NT). Para Bultmann, os evangelhos estão menos interessados na pessoa de Jesus e mais no período posterior à sua morte. Os evangelhos são simples construções convencionais posteriores.

2) O cristianismo atual enlaça com o primitivo somente pela aceitação do querigma, que aparece em Rm 1,3-4; 6,3-4; At 2,21-24; 1Cor 11,23-26.

3) Somente desta forma nós podemos saber nada sobre a vida e a personalidade do Jesus histórico. Assim como Barth, Bultmann reage contra a figura perfeita do Jesus histórico reconstruído pela teologia liberal do séc. XIX. É pouco o que sabemos e podemos reconstruir sobre a figura histórica de Jesus. As afirmaçõees do NT sobre ele não se referem à sua natureza, mas à sua significação.

4) O tema central do evangelho é a morte e ressurreição de Jesus. A ressurreição não é um acontecimento objetivo, mas uma experiência viva que nos introduz numa nova dimensão da existência e nos liberta de nós mesmos, do pecado, para abrir-nos aos outros. Doutrinas tão báicas do cristianismo como a encarnação, morte, ressurreição e segunda vinda de Cristo dissipam-se numa interpretação existencialista da vida. A interpretação mítica dissolve-se num existencialismo que não deixa quase nada intacto no credo dos apóstolos.

A conclusão final de Bultmann é que o mito ou forma de pensamento em que aparece envolvido o Evangelho apresenta-nos uma versão manipulada e desfigurada de Jesus, Filho de Deus, que morreu e ressuscitou. Esse mito transmite-nos um querigma, uma palavra divina dirigida ao homem, que este deve aceitar de maneira desmitificada, isto é desprovida de sua proteção. O Cristo com que nos encontramos hoje é o Cristo da evangelização, não o Jesus da história. É o querigma desmitificado de formas do passado, todavia existentes na fé e na pregação de Jesus, que nos obriga e nos defronta a uma opção entre uma vida autêntica e outra inautêntica.

Da doutrina de Bultmann deduz-se que a fé cristã deve interessar-se pelo Jesus histórico para centrar-se no Cristo transcendente do querigma. A fé cristã, a fé no querigma da Igreja, pela qual se pode dizer que Jesus Cristo ressuscitou, e não fé no Jesus histórico.

Todas as Igrejas, após reconhecer a boa vontade de Bultmann, rejeitam a postura radical do grande mestre. Sua doutrina permitiu reconstruir melhor o Jesus histórico e sua função dentro da teologia atual. Os mesmos discípulos de Bultmann evoluíram para uma nova hermenêutica e interpretação da forma linguística da existência.

PENSAMENTOS DE RUDOLF BULTMANN

"É precisamente pelo abandono radical e pela crítica consciente dessa cosmovisão mitológica da Bíblia que podemos trazer à luz a pedra de tropeço real, ou seja, o fato de que a palavra de Deus chama o ser humano a renunciar a toda segurança de obra humana."

"A fé é a renúncia por parte do ser humano à sua própria segurança e a disposição de encontrá-la unicamente no além invisível, em Deus. Isso significa que a fé é uma segurança ali onde nenhuma segurança pode ser vista; é como disse Lutero, a disposição de entrar confiadamente nas trevas do futuro."

"Creio que Deus atua aqui e agora, mas Sua ação é oculta, porque não é diretamente idêntica ao acontecimento visível. Ainda não sei o que Deus está fazendo, e talvez nunca chegue a sabê-lo, mas creio firmemente que é importante para minha existência pessoal, e devo perguntar-me o que é que Deus está me dizendo. Talvez esteja me dizendo apenas que devo aguentar em silêncio."

"A graça de Deus é a graça que perdoa pecados, isto é ela liberta o ser humano de seu passado, que o mantém preso. Liberta-o daquela postura do ser humano que quer se assegurar, lançando por isso mão do que é disponível e apegando-se ao que é transitório e sempre já passado".

"Portanto, o acontecimento ocorrido em Cristo é a revelação do amor de Deus, que liberta o ser humano de si mesmo, libertando-o para uma vida de entrega na fé e no amor. Fé como lberdade do ser humano de si mesmo, como abertura para o futuro, só é possível como fé no amor de Deus. Contudo, a fé no amor de Deus permanece auto-suficiência enquanto o amor de Deus for uma imagem criada pelo desejo, uma idéia, enquanto Deus não revelar seu amor. A fé cristã é fé em Cristo pelo fato de ser fé no amor revelado de Deus. Só quem já é amado pode amar".

"A palavra de Deus exorta o ser humano a renunciar a seu egoísmo e à segurança ilusória que ele próprio construiu para si. Exorta-o a que se volte para Deus, que está além do mundo e do pensamento científico. Exorta-o, ao mesmo tempo, a que encontre seu verdadeiro eu. Porque o eu do ser humano, sua vida interior, sua existência pessoal também se encontra além do mundo visível e do pensamento racional. A palavra de Deus interpela o ser humano em sua existência pessoal e, assim, o liberta do mundo, da preocupação e da angústia que o oprimem tão logo se esquece do além".


Fonte: Blog Teologia Contemporânea

JÜRGEN MOLTMANN


Jürgen Moltmann é um dos principais teólogos Luteranos contemporâneos. Ele nasceu em 1926 em Hamburgo, Alemanha. Moltmann lutou na II Guerra, foi feito prisioneiro pelos ingleses e foi levado para um campo de concentração na Inglaterra. Moltmann de 1945-1948, esteve prisioneiro dos aliados na Bélgica e na Inglaterra. Esses anos de prisão levaram-no a refletir sobre o sentido da vocação cristã. Em 1948 voltou a Alemanha e foi estudar teologia. A partir de 1952, atuou como pastor da Igreja Luterana. Desde 1967, foi professor de teologia sistemática na Universidade de Tubinga. Moltmann é um escritor prolífico, centrado integralmente em “olhar a teologia sob um ponto de vista particular: a esperança. É uma contribuição sistemática à teologia, na qual considera o contexto e a correlação que os diferentes conceitos têm no campo da teologia”.Moltmann dedicou-se e ainda se dedica a lecionar teologia em universidades. Moltmann é o criador da 'Teologia da Esperança', em que desenvolve as idéias da realização do Reino, como promessa fundamental de Deus. Ele também destaca muito a importância do mistério da cruz. Moltmann é casado e tem quatro filhos.

Suas principais obras são:

- Teologia da Esperança;
- O Deus Crucificado;
- A Igreja na Força do Espírito;
- Conversão ao Futuro.

Suas obras:

Teologia da esperança (1964), que o torna conhecido como um dos grandes teólogos de hoje na linha de Barth e de Bultmann. Nela confirma a importância que a escatologia tem na doutrina do Novo Testamento; a escatologia, não como crença em fatos concretos que devem acontecer nos finais dos tempos, mas como fator que modela toda a teologia cristã. Tal perspectiva escatológica do cristianismo é interpretada como promessa, como plataforma para a futura esperança. É base para uma transformação antecipada do mundo da nova terra prometida. A meta da missão cristã não é simplesmente uma salvação individual, pessoal, nem sequer espiritual; é a realização da esperança da justiça, da socialização de toda a humanidade e da paz do mundo. Esse outro aspecto de reconciliação com Deus pela realização da justiça foi descuidado pela Igreja. A Igreja deve trabalhar por essa realização, baseada na esperança futura.

O Deus Crucificado (1972) expõe a doutrina de Deus a partir da perspectiva da cruz. O Deus cristão é um Deus que sofre de amor. Não é um sofrimento imposto de fora — pois Deus é imutável —, mas um sofrimento de amor, ativo. É um sofrimento aceito, um sofrimento de amor, livre, ligado ao Deus sofredor de Auschwitz e do extermínio judeu. A esse livro deve-se acrescentar A Igreja no poder do Espírito (1975). Neste estuda a atividade reconciliadora de Deus no mundo, vista sob a perspectiva da Ressurreição, da Cruz e de Pentecostes. “A Igreja — diz Moltmann — deve estar aberta a Deus, aos homens, e aberta ao futuro tanto de Deus quanto dos homens. Isso pede da Igreja não uma simples adaptação às rápidas mudanças sociais, mas uma renovação interior pelo Espírito de Cristo e a força do mundo futuro.” Isso faz com que a Igreja tenha de ser Igreja de Jesus Cristo e Igreja missionária. Deve ser também uma Igreja ecumênica, que quebre as barreiras entre as Igrejas. E deve ser também política: a dimensão política — agrade ou não — sempre existiu nela. A Teologia da Libertação ensina a Igreja a tomar partido pelos pobres e humilhados deste mundo.

Finalmente, em A Trindade e o Reino de Deus (1980) estuda o mistério da Trindade de Deus fazendo “uma história trinitária”. Examina a paixão de Cristo e vê, no abandono de Cristo na cruz por Deus, o centro da fé cristã. “Deus é abandonado por Deus.” Apóia a sua doutrina social na “Doutrina Trinitária do Reino”, baseada nas idéias de Joaquim de Fiore, elaborando assim uma “Doutrina Trinitária da Liberdade”.
A obra de Moltmann pressupõe uma revitalização e um aprofundamento da teologia cristã.

PENSAMENTOS DE JÜRGEN MOLTMANN

"Cristo veio e se sacrificou para reconciliar o mundo inteiro. Ninguém fica excluído".

"Nós não somos só os intérpretes do futuro, mas já somos os colaboradores do futuro, cuja força, na esperança como realização, é Deus".

"Por 'Reino de Deus', nós entendemos o cumprimento escatológico do senhorio histórico-libertador de Deus. Seria unilateral ver o senhorio de Deus somente no seu reino perfeito, como também geraria muitos equívocos uma equiparação entre Reino de Deus e o domínio que Deus exerce atualmente. Em seu Reino, Deus reina de modo incontrastado, universal e em toda a clareza".

"A mediação entre a tradição do cristianismo e a cultura do tempo presente é a tarefa mais importante da teologia. Sem uma conexão viva com as possibilidades e os problemas do homem de hoje, a teologia cristã torna-se estéril e irrelevante. Mas, sem uma referência à tradição cristã, a teologia torna-se oportunista e acrítica".

"Deus não está presente em algum lugar do além: Ele vem, e é tal que está presente. Prometendo um mundo novo - o da vida, da justiça e da verdade universais -, ele questiona constantemente este mundo presente, através desta promessa: não que, para aquele que tem esperança, este mundo presente não seja nada; mas ele ainda não é aquilo que tem a perspectiva de ser. Assim questionados, o mundo e a condição humana acorrentada a este mundo se tornam históricos, pois são colocados em xeque e em crise por causa do futuro prometido. Lá onde começa o novo, o antigo se torna manifesto. Lá onde é prometido o novo, o antigo se torna passageiro e superável. Lá onde se espera e se aguarda o novo, o antigo pode ser abandonado. Assim a 'história' aparece, em função do seu fim, naquilo que se opera graças à promessa, naquilo que esta promessa - que caminha para frente e ilumina o caminho - permite perceber. A escatologia não desaparece nas nuvens de areia da história, senão que mantém a história viva na crítica e na esperança; aescatologia é algo como as nuvens de areia da história vindas de longe".

"Se a revelação do Ressuscitado está aberta para o seu próprio futuro e para a sua promessa, esta abertura para o futuro transcende toda a história consecutiva da Igreja, tem sobre ela uma superioridade absoluta. A recordação da promessa acontecida - recordação de um advento, e não de um evento passado - afunda como uma lasca na carne de cada (momento) presente e o abre para o futuro".

"... este evento, que se pode apreender através da Crucifixão e das aparições pascais... remete retrospectivamente para as promessas de Deus e direciona para frente em direção a um 'eschaton': a revelação da sua divindade em todas as coisas. Ele deve, pois, ser entendido como o advento escatológico da fidelidade de Deus, mas também como a garantia escatológica da sua promessa e como o início da consumação".

"A soberania do Cristo crucificado por motivo político só pode estender-se através da libertação em relação às formas do poder que mantém os homens em tutela e os tornam apáticos, e através da evacuação das religiões políticas que lhes dão sustentação. A consumação do Reino de liberdade de Jesus deve, segundo Paulo, aniquilar todo poder, toda autoridade e toda potência, que ainda são inevitáveis aqui na terra, e suprimir as apatias e as alienações que lhes correspondem. Os cristãos procurarão, de acordo com as possibilidade presentes, antecipar o futuro de Cristo, destruindo todadominação e construindo a vida política de cada um".

"Jesus não viveu como uma pessoa privada... senão que, quanto possamos saber pelas fontes, viveu como uma personalidade pública, da proximidade do seu Deus e Pai para o seu Reino vindouro".

"Só compreendemos o caráter peculiar da sua morte se compreendermos o seu abandono por parte do seu Deus e Pai, do qual ele havia pregado a proximidade de uma forma única, benévola e solene. O caráter único do abandono por Deus, no qual Jesus morreu, guarda relação com o caráter únicoda sua comunhão com Deus na sua vida e na sua pregação. Trata-se de algo mais do que - e de algo diferente de - um 'desabamento' e de um 'fracasso'".

"Deve-se dizer, portanto: sua morte na cruz é o 'significado' da sua ressurreição por nós... (Pois) o Reino vindouro, cuja certeza os discípulos encontram nas aparições pascais de Cristo, assumiu a partir de agora, através de Cristo, a forma da cruz em um mundo alienado. A cruz é a forma do Reino redentor que vem, e o Crucificado é a encarnação do Ressuscitado. No Crucificado, o 'fim da história' está presente dentro da realidade da história. Nele se encontram, portanto, a reconciliação no meio do conflito e a esperança de superar o conflito".

"O Deus da liberdade, o verdadeiro Deus não se reconhece pelo seu poder e sua glória no mundo e na história do mundo, mas pela sua impotência e sua morte no patíbulo de infâmia da cruz de Jesus".

"O princípio material da doutrina trinitária é a cruz de Cristo. O princípio formal do conhecimento da cruz é a doutrina trinitária".

"Pois Jesus aceita morrer abandonado, não sofre a morte como tal, já que não se pode 'sofrer' a morte, pois o sofrimento supõe a vida. Mas o Pai, que o abandona e o entrega, sofre pela morte do Filho na dor infinita do amor".

"O que procede deste evento entre o Pai e o Filho é o Espírito que justifica os ímpios, que enche de amor os abandonados, que até aos mortos dará a vida - pois nem o fato da morte deles pode excluí-los deste acontecimento da cruz, senão que a morte em Deus também os inclui".

"O Crucificado não desaparece quando vem o cumprimento, senão que antes se torna o fundamento da existência salva em Deus, e na inabitação de Deus em todos".

“Deus, sendo amor, só pode ser testemunhado e experimentado em uma congregação pequena o bastante para que os membros se conheçam e se aceitem uns aos outros, assim como são aceitos por Cristo. O evangelho do Cristo crucificado por nós põe termo à religião como potência e abre apossibilidade de experimentar a Deus, no âmbito da comunidade genuína, como o Deus de amor”.

"O caminho para uma unidade que seja aceitável por todos está dificultado tanto pelo centralismo papal e pelo uniformismo romano, por um lado, como, por outro, pela dispersão protestante e, em último lugar, pela auto-suficiência ortodoxa".

"Por meio de subverter e demolir todas as barreiras - sejam da religião, da raça, da educação, ou da classe - a comunidade dos cristãos comprova que é a comunidade de Cristo. Esta, na realidade, poderia tornar-se a nova marca identificadora da igreja no mundo, por ser composta, não de homens iguais e de mentalidade igual, mas, sim, de homens dessemelhantes, e, na realidade, daqueles que tinham sido inimigos... O caminho para este alvo de uma nova comunidade humanista que envolve todas as nações e línguas é, porém, um caminho revolucionário".

"Se a promessa é considerada como promessa de Deus, então não pode ser verificada segundo os critérios humanos. A plenificação da promessa pode conter o novo, mesmo dentro do esperado, e superar na realidade o pensado em categorias humanas [...]. O ainda-não da expectação ultrapassa todo cumprimento já sobrevindo. Por isso, toda realidade de cumprimento, sobrevinda já agora, se transforma na confirmação, interpretação e libertação de uma esperança maior [...]. A razão da constante mais-valia da promessa e de seu permanente superávit acima da história reside no caráter inexaurível do Deus da promessa".

“O cristianismo é total e visceralmente escatológico, e não só a modo de apêndice (...). O escatológico não é algo que adere ao cristianismo, mas simplesmente o meio em que se move a fé cristã, aquilo que dá o tom a tudo que há nele. Como a fé cristã vive da ressurreição do Cristo crucificado, ela não pode ser simplesmente parte da doutrina cristã. Ao contrário, toda a pregação cristã tem uma orientação escatológica”.


Fonte: Blog Teologia Contemporânea

KARL BARTH (1886-1969)



Karl Barth foi um dos maiores pensadores protestantes do século XX. Karl Barth nasceu em Basel, Suíça, no dia 10 de maio de 1886. Barth foi um teólogo de confissão calvinista. Filho de pais religiosos, foi educado em meio a pastores conservadores. Suas influências acadêmicas foram Kant, Hegel, Kierkegaard e teólogos como Calvino, Baur, Harnack e Hermann. Até 1911, ainda jovem, esteve Karl Barth vinculado ao protestantismo liberal antidogmático e modernista de Adolf von Harnack (1851-1930), invertendo a seguir sua posição. Em 1911 começou a pastorear uma pequena igreja do interior da Suíça e aí ficou até 1925. Durante esses anos conheceu Eduard Thuneysen, amigo que acompanhou e contribuiu em suas reflexões teológicas. Nessa época seu grande desafio era o que pregar a cada domingo. Em 1914, ele e Thuneysen resolveram buscar uma resposta ao desafio da pregação. Durante quatro anos, Thuneysen estudou Schleiermacher e Barth estudou Paulo. Como fruto desses estudos, em 1919, Barth publicou seu Comentário à Epístola aos Romanos.


Estudou em Berna, Berlim, Tuebingen, Marburgo. Algum tempo pastor em Genebra e em Safenwil. A partir de 1921 passou a ensinar teologia na universidade alemã de Goettingen; em 1925, na de Muenster; em 1930, na de Bonn. Em 1935, por sua atitude anti-nazista, foi obrigado por Hitler a refugiar-se em Basiléia, de cuja universidade foi professor, onde lecionou até 1961. Na Alemanha, deu ainda, na qualidade de professor estrangeiro, lições em Bonn, em 1946 e 1947.

Karl Barth faz parte da chamada “teologia dialética” ou “da crise”, junto a J. Moltmann, E. Brunner, R. Bultmann, F. Gogarten e outros. Barth deu nome a um movimento: o barthismo, que propõe uma total e coerente adesão à Palavra de Deus, equivalente ao objetivismo da revelação bíblica e ao fato histórico da encarnação, contra o imanentismo da cultura moderna geral e em particular do “protestantismo liberal”. Procurou renovar a teologia desvinculando-a da tradição fideísta de Schleiermacher (1768-1834), para recolocá-la na reforma do século 16. A teologia de Barth é uma reação frente a Schleiermacher e, em geral, contra a cultura do Romantismo e do Iluminismo.Barth rejeitou a analogia entre Deus e a criatura, para destacar a transcendência divina, advertindo que somente é válida a via negativa de acesso a Deus, de acordo com a expressão de Kierkegaard sobre a infinita diferença qualitativa entre o tempo e a eternidade.

Com o destaque da transcendência divina abriu largo espaço entre Deus e o homem. Abandonado o homem existencialmente a si mesmo, não tendo senão a fé como caminho para o alto. Cristo é o intermediário, como se diz na Epístola aos Romanos, e comentada por Barth. A teologia de Barth recebe muitos nomes: teologia da crise, teologia dialética, teologia kerigmática,teologia da Palavra.

Participou, como observador, do Concílio Vaticano II. A doutrina de Barth está presente em seus numerosos discípulos e em sua extensa e valiosa obra escrita. Destacamos seu monumental Die Kirchliche Dogmatik (10 vols., 1955) e o Comentario à epístola aos Romanos (1919); Humanismus (1950), e outras.

Karl Barth faleceu em dezembro de 1969.

Podemos sintetizar sua teologia nos seguintes pontos:

1) Barth destaca a absoluta transcendência de Deus. Deus é o único positivo, o ser. O homem, no entanto, da mesma forma que o mundo, é a negação, o não ser. Justamente por não ser nada, o homem não tem a possibilidade de autoredenção; nem ao menos de conhecer Deus, mas somente de saber que não o conhece.

2) A iniciativa vem de Deus, que irrompe no mundo do homem através de sua revelação e palavra. A teologia de Barth é, por isso, a teologia da palavra. A revelação de Deus é o objeto da teologia. Barth centra toda a sua atenção na revelação e palavra de Deus na Bíblia.

3) Barth vê a revelação de Deus na Bíblia como algo dinâmico, não estático. A palavra de Deus, diz Barth, não é um objeto que nós controlamos como se fosse um corpo morto que podemos analisar e dissecar. Na realidade é como um sujeito que nos controla e atua sobre nós. E essa Palavra é capaz de nos fazer reagir de um jeito ou de outro.

4) A Palavra de Deus é o acontecimento mediante o qual Deus fala e se revela ao homem através de Jesus Cristo. E como isto se torna realidade? A Bíblia, Palavra escrita de Deus, é a testemunha do acontecimento da Revelação de Deus. O Antigo e o Novo Testamento colocam Jesus Cristo como o “Cordeiro de Deus”, anunciado por João Batista. Por isso, sem dúvida, desde seus primeiros anos como pastor, Barth teve sobre sua mesa a pintura de Grünewald em que João Batista mostra Jesus Cristo crucificado.

5) Hoje, através da Palavra proclamada, a Igreja é testemunha da Palavra revelada. Sua proclamação baseia-se na palavra escrita, a Bíblia. Deus serve-se desta palavra proclamada e escrita, e se transforma em palavra revelada de Deus, quando ele quer falar-nos através dela.

A ênfase da teologia de Barth está na revelação de Deus em Jesus Cristo. A única palavra de Deus está em Jesus Cristo. Toda relação de Deus com o homem se dá em Cristo e através de Cristo. Em sua forma negativa, isto significa a exclusão da teologia natural. Positivamente, tudo deve ser visto e interpretado a partir de Cristo ou, empregando a expressão barthiana, a partir da “concentração cristológica”. O pecado original não pode ser entendido independentemente de Cristo. A fé também não é fruto de um raciocínio nem está fundamentada em um sentimento subjetivo. “Em Jesus Cristo não há separação do homem de Deus, nem de Deus do homem.”

Barth prega que “a mensagem da graça de Deus é mais urgente que a mensagem da Lei de Deus, de sua ira, de sua acusação e de seu juízo”. A teologia de Barth exerceu e continua exercendo uma influência decisiva na constante procura da palavra autêntica e verdadeira de Deus. Sua condição de “crente” que não invoca nenhum mérito diante de Deus é o melhor estímulo para os cristãos de todos os tempos.

Produziu obra volumosa, ainda que sob poucos títulos:- Comentário à epístola aos romanos (1919);- O cristão na sociedade (1920);- A ressurreição dos mortos (1924);- A palavra de Deus e a teologia (1925);- A dogmática cristã (26 vols, 1932-1969);- A teologia protestante no século 19 (1947).

PENSAMENTOS DE KARL BARTH

“Devemos falar de Deus. Somos, porém, humanos e como tais não podemos falar de Deus. Devemos saber ambos, nosso dever e nosso não-poder, e justamente assim dar glória a Deus”

"Que o Pai ama o Filho e que o Filho é obediente ao Pai, que Deus se entrega ao homem neste amor e, nesta obediência, assume a baixeza do homem para elevá-la à sua altura, que o homem se torna livre neste acontecimento, pelo fato de escolher por sua vez a Deus que o elegeu, eis em absoluto uma história que não pode, como tal, ser interpretada por equívoco como uma causa imóvel que produz efeitos quaisquer"

"É preciso segurar numa mão a Bíblia e na outra o jornal".

"Tudo o que digo de Deus é um homem quem o diz".

"Se se nega a Trindade temos um Deus sem beleza".

"Igreja existe ali onde a pessoa humana presta ouvidos a Deus"

"O culto constitui a ação mais momentosa, mais urgente e mais gloriosa que pode acontecer na vida humana".

"Que Deus enquanto Deus seja capaz de tal condescendência, de tal rebaixamento de si mesmo, que esteja disposto e pronto para isto: eis aí - o que muitas vezes se desconhece neste caráter concreto - o mistério da 'divindade de Cristo'"

"Precisa morrer em Cristo o homem que escolhe para si o materialismo, lendas e fábulas ou a transitoriedade do mundo; o homem que se esquece que nada tem que não tivesse recebido e precisasse receber novamente de Deus; o homem que quer safar-se do paradoxo da fé; o homem que já não quer, ou que ainda não quer, abrir mão de sua confiança na sabedoria, na ciência, nas coisas certas e palpáveis do mundo, e do conforto que este oferece, para depender exclusivamente da graça de Deus. Precisa morrer em Cristo o homem que tenha qualquer outro pretexto para se apoiar, que não seja 'esperança'."

"Justamente de Jesus Cristo, não sabemos nada de tão certo quanto isto: em uma livre obediência a seu Pai, escolheu ser homem e, como tal, fazer a vontade de Deus"

"Eis, portanto, qual é a realidade de Jesus Cristo: Deus mesmo em pessoa está presente e age na carne. Deus mesmo em pessoa é o sujeito de um ser e de um agir realmente humanos. E é justamente assim, e não de outra forma, que este ser e este agir são reais. É um ser e um agir autêntica e verdadeiramente humanos... Sua humanidade (de Jesus) não é senão o atributo da sua divindade, ou antes, em termos concretos: ela não é senão o atributo, assumido no decurso de um rebaixamento incompreensível, da Palavra que age em nós e que é o Senhor".

"Como filho do homem e portanto como ser humano, Jesus Cristo só existe pela ação de Deus: pelo fato de ser primeiramente o Filho de Deus... Mas a humanidade de Jesus, em si e como tal, seria um atributo sem sujeito".


Fonte: Blog Teologia Contemporânea