Os próximos passos do
Brasil serão decisivos para determinar se o país consegue dar a volta à crise
ou se mergulhará definitivamente numa espiral de degradação económica, política
e social.
Com todas as atenções centradas na Grécia, o
agravamento ao longo dos últimos meses da crise no maior país de língua
portuguesa do mundo tende a merecer menos atenção do que deveria. Esta
semana, ao contrário do que tem acontecido, a crise brasileira mereceu alguma
atenção em Portugal graças à notícia de
que Dilma Roussef terá aproveitado uma escala técnica no Aeroporto Francisco Sá
Carneiro, no Porto, para reunir com o seu ministro da Justiça e com o
presidente do Supremo Tribunal Federal, que se encontravam em Portugal para
participar numa conferência em Coimbra.
O incidente, em pleno auge no Brasil do mega caso
judicial “Lava Jato”, que envolve algumas das principais empresas de construção
civil brasileiras, a gigante estatal Petrobras e várias figuras ligadas ao PT,
suscitou polémica e acusações de promiscuidade. Mas mais relevante do que o
episódio concreto ocorrido no Porto é a preocupante situação a que chegou o
Brasil. Foi também recentemente noticiado que
a Procuradoria da República em Brasília abriu um inquérito para investigar as
ligações do ex-presidente Lula da Silva à construtora Odebrecht, incluindo
suspeitas de tráfico de influências.
As ramificações políticas das graves suspeitas de
corrupção ao mais alto nível intensificaram-se também com o anúncio de Eduardo
Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados e também ele alvo de suspeitas no
caso “Lava Jato”, de que deixa de apoiar Dilma
Roussef. O anúncio pode ter implicações sérias já que Cunha é membro do Partido
do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), principal suporte do PT na
coligação governamental.
André Azevedo Alves |
Para quem não acompanhe regularmente os acontecimentos
no Brasil, a situação actual pode parecer surpreendente. Afinal, ainda em 2009
a revista The
Economist destacava
na sua capa o take-off brasileiro
apontando o Brasil como exemplo para a América Latina e para o mundo. Mais
recentemente, já em 2013, uma nova capa da revista assumia o erro perguntando
“Has Brazil blown it?”. Como foi possível o Brasil passar em tão pouco tempo de
super-potência emergente e exemplo promissor a uma tremenda desilusão? A ampla
simpatia granjeada pelo PT nos meios jornalísticos e académicos internacionais
será parte da explicação mas, na verdade, a raiz de muitos dos principais
problemas é bem anterior aos acontecimentos dos últimos anos.
O grande responsável pelo desbloqueamento de parte do
potencial brasileiro foi o notável sucesso do Plano Real nos anos 1990,
concebido por economistas como Gustavo Franco. A estabilização monetária (com a
consequente desindexação da economia), o equilíbrio orçamental, um programa
relativamente significativo de privatizações e alguma abertura da economia
foram suficientes – face ao extraordinário potencial do Brasil – para espoletar
o que parecia ser um milagre económico sem retorno.
Os primeiros anos de governação PT beneficiaram destas
medidas e aproveitaram a folga existente para expandir substancialmente o
Estado. A chegada do PT ao poder não trouxe a revolução que muitos – dentro e
fora do Brasil – temiam, mas iniciou um processo de expansão do aparelho de
Estado (com o clientelismo associado) e de estagnação da economia do país, com
destaque para um nível asfixiante de burocracia e fiscalidade.
O país que ainda recentemente era visto por muitos
como um milagre económico chegou assim a uma situação de recessão – com o PIB a
contrair mais de 1% – e com a inflação oficial em torno dos 10%.
Ao mesmo tempo, ao longo dos últimos anos,
manifestações populares massivas vêm contestando a fraca qualidade dos serviços
públicos, os elevados níveis de corrupção percepcionados e a subida do custo de
vida, mas sem que até ao momento se vislumbre uma alternativa governativa
viável.
É inegável que, além das manifestações
anti-governamentais, há mais sinais de vitalidade da sociedade civil brasileira.
Um vasto e variado leque de organizações voluntárias da sociedade civil – como
o Instituto Millenium, o Instituto de Estudos Empresariais ou o Instituto Mises Brasil – desempenham um papel educacional importante e com
notável impacto. É de destacar também o recente sucesso junto do público
brasileiro de obras como “Pare de Acreditar no Governo”, de Bruno Garschagen, ou “Esquerda Caviar”
(publicado em Portugal pela Alêtheia), de Rodrigo Constantino. Mas não é menos
verdade que, não obstante todos estes sinais, a construção de um caminho
alternativo para o Brasil não se afigura fácil.
Os próximos passos do Brasil serão decisivos para determinar
se o país consegue dar a volta à crise ou se mergulhará definitivamente numa
espiral de degradação económica, política e social. Dada a importância global
do Brasil, o futuro do país terá também ramificações significativas na América
do Sul e no resto do mundo. Também por isso seria importante prestar mais
atenção ao que por lá se está a passar.
Professor do Instituto de Estudos Políticos da
Universidade Católica Portuguesa.
Fonte: OBSERVADOR
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