A Carta de Piracicaba foi apresentada aos juristas e à comunidade |
Para debater e encontrar saídas às diversas propostas legislativas que ameaçam a segurança ambiental, o Ministério Público do Estado de São Paulo, a Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ/USP) realizaram nos dias 15 e 16 de setembro de 2016, no Salão Nobre, do Edifício Central da ESALQ um Seminário intitulado "Propostas de Alterações na Legislação Ambiental e seus Potenciais Impactos: Desregulamentação?", que contou com a participação de cerca de 340 participantes.
O seminário promoveu um debate técnico, jurídico e social, sobre as propostas de modificação na legislação de licenciamento ambiental e os seus impactos ambientais.
Ao final de evento foi lida "a Carta de Piracicaba", produzida de forma coletiva entre os participantes, que buscou identificar as interfaces políticas, econômicas e sociais das propostas legislativas referentes ao licenciamento ambiental e seus impactos; promover uma maior aproximação entre conhecimentos científicos diversos no campo socioambiental e os jurídicos, políticos e de educação. Foram inseridos no documento 10 não e 10 sim às alterações legislativas sobre Licenciamento Ambiental.
10 críticas e 10 propostas de aprimoramento às alterações legislativas sobre Licenciamento Ambiental elaboradas pelo Ministério Público, ESAQ/USP e ESMP.
CARTA DE PIRACICABA
O Brasil não mais tolera ações e omissões que têm provocado desastres como o de Mariana e outras agressões ao meio ambiente, à saúde pública e a sustentabilidade de nossa economia. Nosso país não mais tolera a corrupção que tem sido presente em processos de licenciamento ambiental que resultaram em desastres como esse. Neste momento estão em curso no Congresso Nacional iniciativas destinadas a acabar com os avanços e garantias alcançados na Constituição Federal na defesa do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Em face desse cenário preocupante de retrocesso ambiental, político e social, a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ), da Universidade de São Paulo (USP), o Ministério Público do Estado de São Paulo e a Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo aliaram esforços para a organização de um Seminário, com a participação de técnicos, juristas, jornalistas, acadêmicos e outros segmentos. Foram discutidas as propostas de alterações na legislação de licenciamento ambiental do país, atualmente em trâmite no Congresso Nacional. A motivação para a organização desse Seminário foi a indicação de que tais alterações representam um retrocesso grave, após décadas de evolução e aperfeiçoamento da legislação ambiental brasileira. O atual Parlamento equivocadamente classifica as preocupações com o meio ambiente como entrave ao desenvolvimento do país, que se busca açodadamente e a todo custo neste momento histórico desfavorável, marcado por forte crise econômica, intensificada pela crise política.
Julgando que as medidas equivocadas em análise tomadas pelo Parlamento subvertem as salvaguardas constantes da Constituição Federal relacionadas ao meio ambiente, e que a sua implementação pode gerar fatos catastróficos, ou mesmo danos irreparáveis, afetando assim os supremos interesses da sociedade brasileira, as entidades acima citadas entenderam por bem promover um amplo debate, de maneira a fornecer subsídios à sociedade para que se possa evitar a aprovação dessas Propostas Legislativas, ora em análise.
Na sistemática vigente, o Licenciamento Ambiental é um conjunto de procedimentos que garante um exame dos possíveis impactos ambientais de uma obra ou atividade a ser implantada e que assim possa ser realizado da forma menos danosa ao meio ambiente e à vida. O Licenciamento opera de forma tripartite e as fases são: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO). Antes da Licença Prévia para empreendimentos potencialmente impactantes, faz-se necessário realizar um acurado Estudo Prévio de Impactos Ambientais (EPIA ou EIA), inclusive sua obrigatoriedade está prevista constitucionalmente. Vale destacar que o licenciamento é um instrumento fundamental de salvaguarda para a internalização dos possíveis danos advindos do pretenso empreendimento, constituindo-se poder-dever estatal de controle e fiscalização das atividades e/ ou obras potencialmente poluidores, como forma de prevenção e/ou compensação dos danos ambientais.
Atualmente, tramitam na esfera federal no Brasil quatro propostas de alterações legislativas sobre o procedimento de Licenciamento Ambiental, de empreendimentos potencialmente causadores de degradação ao meio ambiente. Dois projetos de lei tramitam, em regime de urgência, no Congresso Nacional, um na Câmara dos Deputados, de autoria do Deputado Federal Luciano Zica, o PL 3729/04, com relatoria do Deputado Ricardo Trípoli; e outro no Senado Federal, de autoria do Senador Romero Jucá, PLS 654/15, com relatoria do Senador Blairo Maggi. No Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA – tramita o processo administrativo nº 02000.001845/2015-32, objetivando a alteração das Resoluções nº 01/1986 e nº 237/1997; e a Proposta de Emenda Constitucional 65/2012, as quais regulamentam o procedimento de licenciamento ambiental no país.
O real motivo das propostas de modificação do regramento do Licenciamento Ambiental são interesses políticos e econômicos que, muitas vezes, se sobrepõem ao direito constitucional a uma vida de qualidade tanto para as presentes como para as futuras gerações, bem como para o equilíbrio ecossistêmico.
O objetivo do presente documento é analisar criticamente as propostas supracitadas e, quando o caso, ofertar diretrizes para aperfeiçoamento das modificações propostas.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 65, de 2012, acrescenta o parágrafo 7° ao artigo 225 da Constituição Federal, passando a prever que a simples apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importará autorização para a execução da obra, a qual não poderá ser suspensa ou cancelada judicialmente em razão deficiências ou incorreções do estudo prévio de impactos ambientais, a não ser em face de fato superveniente. Tal previsão ofende ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional consagrado constitucionalmente como cláusula pétrea, implicando em séria ameaça à preservação e conservação dos recursos naturais.
Os projetos definem prazos exíguos para análise técnica de alta complexidade, sendo sessenta dias para o órgão licenciador e igual período aos órgãos especializados, tais como os Comitês de Bacias Hidrográficas, órgãos gestores de Unidades de Conservação, Defesa Civil etc., se manifestarem, sob pena de aprovação presumida. Logicamente dependendo da magnitude da obra, esse prazo é completamente inexequível para uma análise técnica de qualidade dos possíveis impactos ambientais gerados pelo empreendimento, tais como estudos que demandem observações da sazonalidade de espécies faunísticas e florísticas.
As propostas também possibilitam a supressão de fases de licenciamento e a dispensa de documentos essenciais (Ex: o Estudo Prévio de Impactos Ambientais) do processo de Licenciamento Ambiental, mesmo para as atividades com significativo potencial de degradação ambiental.
Preveem que vários projetos similares, situados em uma mesma região ou microbacia hidrográfica, sejam analisados separadamente, não considerando a somatória dos efeitos adversos, bem como a interação negativa dos impactos ambientais em seu conjunto.
Os projetos não contemplam a realização de audiências públicas, ou a preveem por apenas uma única vez. As audiências públicas, principal instrumento de participação popular, são fundamentais não só para tornar públicas as avaliações feitas, mas também possibilitar o controle social sobre as obras e atividades, informando a população quanto aos impactos positivos e negativos do empreendimento, bem como em que medida ele afetará a dinâmica e a qualidade de vida das pessoas residentes na área afetada e em seu entorno.
O que está em discussão são os interesses políticos e econômicos que, muitas vezes, se sobrepõem ao direito constitucional a uma vida de qualidade tanto para as presentes como para as futuras gerações.
Inadmissível a previsão de Licenciamento por adesão e compromisso, no qual o proponente precisa apenas aceitar critérios e condições pré-estabelecidas em formulários eletrônicos, em geral sem nenhuma análise do caso concreto, e o licenciamento por registro, de caráter declaratório, tendo sua licença concedida com a simples inserção de dados referente ao empreendimento.
Deve ficar claro que o Licenciamento Ambiental pode sim ser aperfeiçoado, com grande envolvimento de toda a sociedade, em audiências públicas e demais mecanismos de participação popular, de maneira a abranger todo o território nacional, tendo como base o conhecimento científico acumulado. Mas não se pode de forma alguma esvaziar as finalidades do licenciamento ambiental. Por tais razões, após amplo debate, os presentes ao Seminário manifestaram-se da seguinte forma:
1. Não à supremacia de interesses privados aos interesses da coletividade;
2. Não à alteração do artigo 225, da Constituição Federal;
3. Não ao autolicenciamento;
4. Não à licença tácita por decurso de prazo;
5. Não à possibilidade de apresentação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental como substituto da licença, sem a possibilidade de qualquer contestação administrativa ou judicial;
6. Não à dispensa do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, a exclusivo critério do órgão licenciador;
7. Não à possibilidade de dispensa das Audiências Públicas;
8. Não à revogação da previsão de crime culposo, por conduta criminosa do servidor público nos procedimentos de Licenciamento Ambiental;
9. Não à precarização do sistema de gestão ambiental;
10. Não à dispensa de autorização dos municípios para uso e ocupação do solo e nas diretrizes ambientais, para fins de Licenciamento Ambiental.
Proposições e alterações legislativas:
1. Sim à retirada do regime de urgência na tramitação dos projetos de lei sobre Licenciamento Ambiental no Congresso Nacional;
2. Sim à destinação dos valores arrecadados com a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) para estruturação dos órgãos ambientais e envolvidos (aquisição de equipamentos, informatização, contratação e capacitação de pessoal), de maneira a agilizar o Licenciamento Ambiental;
3. Sim ao regramento objetivo dos requisitos para o licenciamento Ambiental, de maneira a trazer segurança jurídica a empreendedores e à sociedade civil, evitando-se falta de transparência e controle dos atos do poder público;
4. Sim ao cumprimento dos compromissos internacionais de proteção ao meio ambiente assumidos pelo Brasil, como em Paris, durante a COP 21;
5. Sim a intervenção dos órgãos técnicos dos demais entes federativos no procedimento do Licenciamento Ambiental, tais como ICMBIO, IPHAN, FUNAI, Comitês de Bacias Hidrográficas, Conselhos Estaduais e Municipais de meio ambiente;
6. Sim à manutenção do Licenciamento trifásico;
7. Sim à auditoria de todas as etapas do procedimento de Licenciamento Ambiental, por instituições isentas;
8. Sim à publicidade dos documentos e estudos técnicos produzidos durante o procedimento de Licenciamento Ambiental;
9. Sim à educação ambiental como condicionante para emissão das licenças ambientais, a título de contrapartida;
10. Sim à articulação institucional dos órgãos dos SISNAMA no procedimento de Licenciamento Ambiental.
Fonte: Clique aqui.
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